Escreveu-lhe mais tarde. Palavras amarguradas. Cheia de dor e de mágoa.
Escreveu-lhe mais tarde, depois de esquecer as partes boas. Escreveu-lhe mais tarde, quando o tempo já não podia voltar atrás.
Escreveu-lhe mais tarde, anos e anos depois, no dia em que se lembrou. Quando se lembrou do já esquecido mesmo quando chorado. Já esquecido, mesmo antes de terminar.
Naquele dia lembrou-se da simplicidade que pode ser a partilha de um vinho, da vontade de cuidar reflectida num mero jantar, da vontade de abraçar exposta num desejo.
Muitos, muitos anos depois é que se lembrou. Dos jantares a dois, onde nada mais fazia falta e se deixavam aquecer pelo vinho. E aquecia. O vinho e essa partilha. O jantar e essa conversa. A mesa e esses sorrisos.
Queriam tanto ouvir a mesma música, que esqueceram do Pedro Paixão. do Lichenstein e do José Riço Direitinho.
Queríam tanto crescer, que esqueceram os seus sonhos.
Queriam tanto a inteligência, que esqueceram as conversas.
Queriam tanto o orgasmo, que esqueceram o prazer.
Queriam tanto saber, que esqueceram do prazer da descoberta.
Queriam tanto o compromisso, que esqueceram do gostar.
Queriam a perfeição, que esqueceram ser eles próprios.
Queriam tanto ser namorados, que esqueceram a cumplicidade.
Queriam tanto não perder, que esqueceram a conquista.
Queriam tanto o final feliz, que esqueceram do presente.
Hoje, deu-lhe para isto. Para recordar. Para lembrar a parte boa. A parte em que eram felizes.
Já me tinha esquecido, mas esta semana deu-me para lembrar.
7 comentários:
Gostei imenso.
Há algo aí que me tocou.
bjs*
Excelente post.
É curioso como o saudosismo e os anos podem fazer com que esqueçamos as sensações boas e recordemos e intensifiquemos apenas as partes mais custosas.
Mas ao que parece a lembrança essa, fica sempre gravada cá dentro.
Nunca é tarde para voltar a escrever e lembrar os melhores momentos.
bj
Recordar paixões. Sabe bem. E faz bem. Mesmos que vistas 'do outro lado'!
Bela participação!!
**
Muito bonito.
As rerlações tendem a gorar-se a frustrar-se a finar-se por culpa desse esquecimento que falas.
Amei
Beijo
É quando vasculhamos as nossas memórias, que ficamos perante a oportunidade de fazer do presente um futuro melhor. Recordar é bom, mesmo quando a recordação é menos boa. Gostei muito deste texto.
Bj :)
Perde-se tanto por acharmos que um gesto pode ser mal interpretado!
Depois podemos levar anos e anos a pensar como teria sido se o tivessemos feito ou dito...
bjs
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